18 julho 2007

Pressão fracionada

É ilógico esperar que a indústria de remédios faça investimentos para vender menos. De modo análogo, farmácias e drogarias, que são remuneradas com uma porcentagem do valor de suas transações, tampouco têm interesse em que o mercado de medicamentos fracionados se torne uma realidade.

A venda fragmentada, que permite ao paciente adquirir a quantidade exata de remédio de que precisa, é boa para a saúde pública e para o consumidor, que pouca condição tem de influir nesse mercado. Daí a necessidade de o poder público exigir da indústria que coloque medicamentos fracionados nas prateleiras das farmácias.

Preocupa a aprovação pela Câmara dos Deputados de um substitutivo ao projeto de lei de medicamentos fracionados que dispensa os laboratórios da obrigatoriedade de produzi-los. Se o mecanismo não for reintroduzido, a venda na dose desejada pelo consumidor não sairá do papel.

A idéia de fracionar os medicamentos é inatacável. O paciente economiza por não comprar remédios desnecessários -gastar menos com drogas também é sinônimo de maior aderência ao tratamento. Ao deixar de estocar em casa sobras de remédios, o consumidor fica menos sujeito a riscos como a automedicação e a ingestão involuntária.

Esse último ponto pode parecer desimportante, mas não é. Dados do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) do Hospital das Clínicas da USP indicam que pouco mais de 45% dos quadros de intoxicação assistidos pelo órgão são provocados por remédios, que superam em muito itens como produtos químicos, materiais de limpeza, agrotóxicos e drogas ilícitas.

É preciso que o Brasil siga os bons exemplos do mundo e desenvolva seu mercado de fracionados. E o único modo de fazê-lo é criar a oferta e estimular médicos e consumidores a procurá-la.

Editorial Folha de São Paulo (17/jul/2007)

13 julho 2007

Ninho de bactérias


Estudo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) divulgado pela Folha mostra que infecções comuns em UTI’s e hospitais do país vêm sendo tratadas com antibióticos inadequados, devido ao fenôme­no da resistência bacteriana.

Embora preocupante, a notícia não é uma novidade. A resistência de bactérias a antibióticos é a prova viva de que a teoria da evolução postulada por Charles Darwin no século 19 está correta. De resto, quanto mais de ponta for uma UTI, maiores tendem a ser suas dificuldades com microrganismos resistentes.

Um meio de enfrentar o problema é ampliar iniciativas como a da Anvisa de traçar o perfil de resistência das bactérias, possibilitando ao médico entrar antes com a droga mais indicada. Vale lembrar que o uso indiscriminado de antibióticos - em especial os de amplo espectro - é um dos fatores que mais favorecem o surgimento da resistência.

O elenco de medidas possíveis não pára aí. Alguns hospitais já exigem que o médico justifique em formulário específico a escolha de determinada droga. Ela só será ministrada se a comissão de controle de infecção da instituição aprovar a conduta.

Também seria interessante voltar a utilizar antibióticos antigos. Como a manutenção da resistência implica um custo energético para as bactérias, ela não costuma ser mantida por muitas gerações. Drogas que deixaram de funcionar podem voltar a fazê-lo a melhor preço do que o dos novos fármacos promovidos pelos laboratórios - política comercial de assédio aos médicos que também favorece o uso inadequado de antibióticos.

Essas são apenas algumas das várias medidas documentadas na literatura. Só que todas elas perdem muito da eficiência por­ que profissionais de saúde mui­tas vezes ainda descuidam do básico, como a necessidade de lavar bem as mãos antes e depois de atender cada paciente.

Editorial do Jornal Folha de São Paulo
"A idéia que não procura converter-se em palavra é uma má idéia; e a palavra que não procura converter-se em ação é uma má palavra".
Gilbert Keith Chesterton, escritor inglês
Senhora Liberdade

Uma senhora não merece assobios.Questão de educação. Ou, como dizia Wilde pela boca de um personagem, as manei­ras são anteriores à moral. O público que esteve presente no circo das Se­te Maravilhas do Mundo não con­corda com a tese e visivelmente não aprendeu as maneiras em casa. Bas­tou esperar pelo momento em que a Estátua da Liberdade, indicada para a lista final, apareceu nos écrans do estádio da Luz, em Lisboa. O estádio desabou em apupos e pateadas. Co­mo na canção, "the lady is a tramp".

Pena. Concordo que a Estátua da Liberdade não é prodígio escultóri­co ou arquitetônico. Ao vivo, é até um poderoso anticlímax. Tamanho pequeno. Tosca de formas. Inex­pressiva como objeto artístico. Comparada com os eleitos, perde em pontuação técnica ou estética, apesar de seis deles serem produto de sociedades bárbaras ou escrava­gistas - um pormenor histórico que não incomoda as consciências humanitárias (e antiamericanas) do público. Ou julgavam que a China imperial, a Índia muçulmana, as ci­vilizações maia e inca, os nabateus do Oriente Médio e a Roma dos Cé­sares eram um parque de diversões?

Mas a Estátua da Liberdade não é, em rigor, uma estátua Ela é um sím­bolo, uma história, uma promessa
: a promessa de que, apesar de tudo, e de tanto, seria sempre possível reco­meçar. Eis a promessa que recebeu milhões de seres humanos na chega da a Ellis Island. E que tinham na es­tátua – tamanho pequeno, tosca de formas, inexpressiva como objeto artístico - a primeira senhora gentil em dias ou meses de viagem agreste. Nos filmes de Coppola ou nas pági­nas de McCourt, a estátua confun­de-se com o olhar grato do imigran­te que a encontra pela primeira vez, ou pela milésima vez, contando com todas as vezes em que ela aparecia nos sonhos.

A estátua era um porto de chega­da, sim. Mas era também um porta de partida: a última visão de casa pa­ra meio milhão de rapazes que não regressaram da Europa. Cem mil não regressam em 1918. Quatro­centos mil não regressaram em 1945. Mas a Europa já esqueceu es­ses tempos sombrios em que, sitiada por uma máquina de guerra desu­mana e brutal, olhava para essa está­tua - tamanho pequeno, tosca de formas, inexpressiva como objeto artístico - e esperava que uma tocha de liberdade a viesse salvar e iluminar. Como, na verdade, ela veio. Duas vezes.

E para quê?

Para nada: em direto da capital do meu país, a ignorância e a bestialida­de da multidão mostraram e com­provaram ao mundo como foi inútil o sacrifício. E como o ódio à América não se distingue,hoje, de um ódio à humanidade: essa humanidade que, falando italiana ou alemão, portu­guês ou francês, iídiche ou japonês, foi acolhida pelo mais nobre, e também por isso o mais belo, de todas as monumentos possíveis.

Disse que as maneiras são anterio­res à moral. Mas, quem não tem ma­neiras, não tem moral. A memória da Europa não é apenas curta. É curta e ingrata. Nessa ingratidão, existe a marca do seu caráter. Mas existe também o prenúncio do seu triste e solitário futuro.

Autor: João Pereira Coutinho, colunista da Folha de São Paulo.

12 julho 2007

Até onde chegamos

No planeta, ao contrário do que sugerem alguns, há espaço para que todos convivam de forma pacífica e decente. A terra garante víveres pra toda nossa geração. O problema é que no afã de atingir esse nível de vida fomos buscando veredas que acabaram por nos levar a perder o caminho adequado.
A avareza invadiu a mente humana, corrompendo o homem e levando-o a um estado permanente de ódio, miséria e sangue. Somos escravos da nossa própria criação. A industrialização aumentou a produção e com isso também a ambição. O avanço científico tornou – nos prepotentes. A nossa intelectualidade distanciou – nos dos sentimentos mais gregários, criando seres selvagens
Há no mundo uma carência enorme de humanismo, há excesso no pensar e falta no sentir. É preciso repensar nossos ideais e utopias, mas acima de tudo é urgente a difusão de afabilidade e benevolência. Caso contrário, não reencontraremos o caminho correto, perdido em veredas, e a vida ficará aprisionada num círculo de desavenças e conflitos.